quinta-feira, janeiro 04, 2007

Dolente...indolente

Para Ouvir: The Gift "Fácil de Entender"

-Acreditas mesmo que me desiludiste? Achas que te dei esse poder?... Ele olhava-me com uma expressão nervosa, os olhos rodavam nas pálpebras, fixavam o meu rosto, os seus pés e frequentemente limpavam o chão. Rodava os polegares um no outro, como se esperasse que assim o tempo passasse mais depressa. Eu estava de pé e olhava pra ele, que sentado numa cadeira a poucos centimetros de mim, parecia uma criança que estava encolhida pela voz mais alta de uma reprimenda por um qualquer vidro partido. Olhado de cima parecia agora tão pequeno, tão pouco interessante. Quando ouvi a voz dele tentar passar a garganta em golpadas débeis e hesitantes quis abraça-lo, quis dizer-lhe que o odiava, quis sentir o calor dos lábios dele acalmar-me a raiva que a paixão por ele me traziam. Mas não me movi um milímetro. Quando finalmente ele falou: - Deixa-me em paz, não me tortures... o que é que tu queres? Que eu seja o espelho do homem que amas há anos? Que seja capaz de te fazer vibrar como sei que vibras sempre que o nome dele aparece brilhante no ecrã do telefone? Que seja capaz de te fazer ficar em pontas quando te falo ao ouvido? Que seja capaz de arrepiar cada poro da tua pele quando respiro no teu pescoço? Que te faça sorrir enternecida e que te faça perder a voz de tanto rir? E julgas que eu não queria isso também??? A voz dele subia rápidamente de tom, falava agora com muita segurança, estava já de pé e por várias vezes teve o impulso de me agarrar no braço... mas nunca o fez. Assim de pé ganhava outra forma, parecia um Zeus ferido no orgulho e eu não conseguia perceber se estava assustada ou simplesmente surpreendida com aquela metamorfose. Nunca o tinha ouvido falar tão alto, nunca tinha fechado os olhos e estremecido quando me dirigia uma frase. E continuou: - Achas que gosto de me deitar todas as noites ao teu lado e saber que quando te abraço é outro nome que em pensamento chamas, e que fechas os olhos e finges que é com ele que estás? Achas que gosto de ver os olhares desdenhosos que me lanças quando faço alguma coisa como ele nunca faria? Achas que gosto de ser sempre, sempre comparado? A voz dele era agora um grito monocórdico, eu tinha os lábios entreabertos de surpresa e estava agora mais perto da porta. Numa golfada de medo gritei-lhe mais alto: -Achas que eu não sou castigada o suficiente por não ser com ele que me deito? Achas que não é castigo suficiente ser o teu rosto que vejo todos os dias de manhã? Se te doi a ti a comparação, imagina como não me doi mais a mim ver que o homem que está ao meu lado é sempre o perdedor. Não sei porque disse aquilo, não sei o que me fez ser deliberadamente dura com ele, e não sei porque mas senti um alivio enorme assim que disse tudo aquilo. Ele olhou-me incrédulo! Em seguida senti no rosto uma descarga quente e áspera... -Acredita que isto doeu menos do que tinha para te dizer. Eu não ripostei...nem argumentei! Apertei o casaco e dirigi-me com passos pequenos e lentos até á porta. O meu cabelo descia pelos ombros e parecia querer acariciar a minha face mazelada. Enquanto esperava pelo elevador senti uma pressão na garganta... foi tão errado o que lhe disse! ... no dia seguinte, ele entrou no elevador... Encontrou escrito no vidro: "Quando fecho os olhos é o teu nome que em pensamentos chamo" Ele sorriu!