terça-feira, setembro 26, 2006

Por fim...

Para ouvir: Panic at the disco "I write sins not tragedies"

Gelado estava o vidro onde encostei o rosto queimado do sal que já seco fervia, senti o alívio do frio e ali me deixei ficar. Quando rolei o olhar vi a estrada; era mais um dia normal (para o mundo lá fora era um dia normal). Vi um arquitecto despromovido a comercial de peças de computador, que descontente carregava a mala do carro e olhava para o relógio barato; o que o cercava era mundano e pouco significativo... não foi para isto que eu estudei... Mais longe vi uma mãe, que alarmada pelas horas já tardias, arrastava os filhos como se eles fossem só mais uma tarefa diária. Via os carros que passavam rápidos e cheios de vida, e que deixavam o contorno vibrante da sua cor para trás. E via o meu reflexo; com o corpo colado no vidro, quase sem vida. Ao ver-me assim, retratada pelos meus próprio olhos, e ferida pela minha fraqueza, senti raiva de mim. Detestei ver que eu me tinha transformado naquilo que sempre tinha ironizado. Endireitei-me, sequei o rosto, respirei fundo e limpei a garganta. Com algum medo voltei a olhar para o vidro que instantes antes me tinha dado a conhecer uma silhueta minha que me tinha cortado o orgulho; vi que estava exactamente como tinha imaginado, e que daquela figura translúcida eu já não me poderia envergonhar... Senti-me bem melhor! Como numa desesperada promessa de Ano Novo, eu jurei que não mais voltaria a chorar por ti, mas para isso tinha que me despedir da imagem que, sozinha, criara á tua volta. E despedi... Vivo nos sonhos perdidos que me roubaste das mãos. Teimo em prende-los com tanta força que as minhas unhas deixaram em carne aquilo que em tempos existia só para te tocar! Choro lágrimas de areia que me raspam a pele como ácido, que deixam chagas perpétuas que nenhuma água pode lavar. E dói-me mais que seja essa a imagem que de ti vou guardar! Quando voltei a olhar á volta todo o quarto parecia ter mais luz, e nem a chuva lá fora me parecia mais um eco repressivo do que ia solto dentro de mim. Chorei-te por fim, hoje por fim, e para sempre!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Ex(travio)

Para ouvir: Radiohead "Paranoid Android"
Será que ouvi a porta fechar? Será que a fechei? Ela está fechada, mas não me lembro de a ter fechado, apesar de ainda sentir uma forma quadrângular na ponta dos dedos. Sentei-me numa cadeira de madeira que encontrei sozinha e deslocada num canto pálido e pouco presenteado com sol. Ao sentar-me nela, ouvi a árvore que ela foi em tempos ranger incomodada com o meu peso. Nem percebi como foi absurdo discutir com ela "Do que te queixas? Eu estou magra, todos me dizem que estou magra". Lembrei-me de ti, (não sei se lembrar será a palavra certa, porque na verdade ainda não te esqueci por um fragmento de tempo) hoje mais uma vez me lembrava de ti. Há quase um mês que não sei onde estás, há quase um mês que não te reconheço. Será que quis chegar com passos de gigante até ti, munida de pés pequenos e já cansados do percurso que me irias cobrar? Olhei para o relógio, senti uma pontada de adrenalina doente subir-me até ao peito quando vi que era a hora de vires ter comigo. Era a esta hora que tudo começava, o primeiro abraço timido, o beijo que não chegava para matar as saudades, e as conversas... as intermináveis conversas que decorávamos com risos francos e sinceros como se nunca antes tivessemos sabido o que era rir. Depois ficava o teu cheiro, a disfarçar a saudade que mais uma vez ias deixar, o teu cheiro a furar a minha pele e a minha roupa, a marcar na minha cama o território que era mais teu que meu. A gota salgada que se espalhou no vidro do relógio fez-me acordar da hipnose estática em que estava. Senti o calor do sol remexer as fibras da minha camisa, percebi que o sol já tinha nascido e que eu estava há horas naquela mesma cadeira e naquela mesma posição; quando me quis levantar as minhas costas mostraram-me que, apesar de eu não ter percebido as horas, elas estavam curvadas há muito tempo. Ia caminhando em direcção á mesma porta que não sabia como estava fechada e a cada passo, a cada movimento que esticava e contraía as plantas dos meu pés ia-me lembrando da última vez que tinha falado contigo, da última vez que tinha ouvido a tua voz e que o teu rosto esteve em confronto com o meu. O discurso não sei se foi desconexo, ou se simplesmente eu não o recordava. Só conseguia pensar na troca em ti. Porque é que tudo me parece de plástico, todos os movimentos são artificiais, todos os sorrisos são inexpressivos, todas as palavras são medidas. Porque é que sinto que passei de um mundo estreme que dividia contigo, para esse teu mundo de velhos fantasmas a quem queres provar que és capaz de tudo!? Os saltos dos meus sapatos acompanhavam agora o ritmo de um outro som, percebi então que tinha ainda o mesmo CD a aquecer de tanto rodar, desliguei-me um pouco de ti para perceber o que estava a tocar e num fio de voz rouca ouvi: "ambition makes you look pretty ugly"... foi impossivel não sorrir com a ironia!

segunda-feira, setembro 18, 2006

Esta cidade

Para ouvir: John Frusciante "The past recedes"

Como ela é linda...
Como é bom saber que se pode viver aqui!
Como foi bom aproveitar cada momento, cada paisagem, cada cheiro, cada sorriso da (pouca) boa gente que por aqui ainda habita!!
Como foi saudável respirar o vento que liberto descia do branco da neve até nós, para nos limpar a alma e conservar vivos.
Como será melhor deixá-la... para que outras pessoas a vivam como nós a vivemos, e que a saibam deixar á sua neblina no momento certo.
Como ela desperta em mim a ambiguidade pura entre o amor e o ódio!
Como será bom olhar para ela no momento da partida e dizer:"Obrigado Covilhã por tudo o que me deste". Fechar os olhos e pensar: "Vou-me embora por tudo o que me tiraste"