domingo, novembro 28, 2010

cinderela

Para ouvir: Pearl Jam "The End"
-Então Maria, já estás pronta?
-Estou quase mãe, já vou. Espera!

O Baile de finalistas era dali por 9 dias, e Maria contava-os com risquinhos no caderno. Nunca imaginara que alguém a iria convidar, nunca foi bonita nem vistosa e o facto de pesar quase o dobro do que devia sempre afastara os olhares masculinos. Quando o Artur lhe perguntou, quase a medo, se ela queria ser o par dele, a Maria até se esquecera de respirar antes de conseguir dar uma resposta. Andou 3 dias a cansar a paciência da mãe, queria ir comprar o vestido mais bonito que alguma vez alguém vira. A Maria sabia que o ia encontrar, sabia que devia estar guardado num armazem, á espera que as mãos dela o arrancassem do fundo de uma caixa, directamente para a noite mais perfeita de sempre. A mãe disse-lhe que iriam assim que ela tivesse um tempinho e repetia entre suspiros cansados: -Calma calma, não hás-de ficar sem vestido.

E foi nesse dia que o foram procurar, a Maria ia tão entusiasmada! Lançava risinhos nervosos á toa, e sentia as mãos suadas e frias. Mãe e filha devem ter visto mais de cem vestidos, entraram em muitas lojas e em cada porta que abriam, a Maria sentia uma nova esperança: É aqui que o vou encontrar! Mas o tamanho da Maria não se prestava a vestidos glamorosos e cada vez que um vestido não subia nas ancas, o lábio de Maria tremia enquanto ela tentava disfarçar com uma piada. Até que ela viu o vestido perfeito... era azul, da cor do mar! O vestido mais bonito que ela já tinha visto. Não lhe servia!

Tentou e tentou, mas o vestido não cabia. Então a Maria decidiu que preferia morrer a ficar sem o vestido e jurou que só bebia água até ao dia do baile. A mãe, já sem paciência, revirou os olhos e conformou-se com a decisão de Maria de comprar o vestido mesmo não lhe servindo. Nos dias que se seguiram ela fez dieta rigorosa, tinha muita fome, mas logo se lembrava do Artur e do vestido cor de mar e segurava religiosamente a sua intenção de se enfiar no vestido nem que não pudesse respirar. Todos os dias o experimentava e na véspera do baile já faltava pouco para conseguir puxar o fecho das costas até ao cimo.

Chegou o dia do Baile e este era, para Maria, o dia que ficaria na história como o dia em que ela e Artur se iam unir e ficar juntos para sempre, como nos contos de fada! Os dias de fome compensaram, e Maria, ainda que apertada, cabia no vestido que desde criança imaginara. Na hora combinada o Artur veio busca-la, vinha de sorriso aberto e confiante, mas os pequenos cortes laminados na cara mostravam que o nervosismo o tinha traido enquanto fazia a barba.

Chegaram triunfantes ao salão do baile! No meio da música, flashes e decorações prateadas, eles sentiam-se os mais elegantes. A Maria não acreditava em tanta felicidade, parecia que estava a assistir a tudo de fora, parecia-lhe impossivel estar a viver um momento tão perfeito. Foi então que vibraram nas paredes do salão os primeiros acordes da música que inaugurava o baile, a maria sentia-se a caminhar sobre vidro enquanto era levada por Artur para o centro da pista. Começaram a rodar, harmoniosos ao som da musica e tudo era perfeito. Foi então que ela sentiu qualquer coisa estranha que lhe percorreu todo o lado direito, sacudiu a mão de Artur e ficou petrificada quando percebeu o que tinha acontecido... as frágeis costuras do vestido azul mar não aguentaram o corpo da Maria, nem as voltas na pista de dança, e cederam. Ela tentava segurar o vestido que cada vez rasgava mais e expunha mais o corpo, mas quanto mais ela se debatia por evitar mais danos, mais o tecido abria largas brechas. Os movimentos mecanicos e rápidos dela atrairam a atenção dos outros... os dedos apontados, o som das gargalhas em eco, o desdém das outras miúdas que conseguiam caber nos vestidos, a troça estampada na cara dos miúdos... E o Artur que se afastava a recuar em passos largos surpreso e envergonhado, não se aproximou para a ajudar. A Maria saiu a correr do salão, sentia o ar a entrar pela gigante abertura lateral do vestido, as lágrimas corriam livres no rosto e deixavam grandes linhas limpas na maquilhagem. Chegou aos soluços e tropeções ao conforto da escuridão longe dos olhares de todos. Deixou o peso do corpo prega-la ao chão, chorou abraçada ás pernas e percebeu que afinal... não há contos de fadas!