sexta-feira, agosto 29, 2008

Lolita

Para ouvir: Rufus Wainwright "Hallelujah"
Carlos era o seu nome e sardento era o seu rosto. Rasava os ramos das árvores do alto dos seus 120 centimetros, tinha doze anos de idade e séculos de sonhos já vividos e milhões de outros para realizar. Mas aquele dia... aquele dia ensinou-lhe o que era amar! Estava sentado num passeio baixo, o sol já se escondia e toda a rua da praia das flores parecia um quadro de fim de verão, onde tudo se encaixava numa cor amarelo torrado que invadia no peito um calor relaxante. Foi quando Carlos ouviu uns passos, olhou na direcção do som e a cruzar a esquina vinha ela... Ela!! Com a boca entreaberta ficou a vê-la passar. Tinha na ponta dos lábios uma gota de saliva que sugou com toda a força quando a sentir cair, ele nunca tinha visto nada assim, era uma visão em encarnado! Era muito mais velha do que ele, mas as curvas do corpo de uma mulher de vinte e poucos anos encheram-lhe o pensamento e fizeram-no diferente. Quando ela passou perto dele ele fixou-lhe os pés, estavam empinados nuns sapatos de laço e verniz que brilhavam quase tanto quanto o rasto que ela deixava. Ficou a vê-la a afastar-se, focou o fundo das costas desnudas, onde duas covas perfeitas furavam a carne e evidenciavam a força que aquele corpo movia. Demorou alguns minutos a sair do torpor que o momento lhe provocou, levantou-se do passeio e dirigiu-se para casa sempre a rodar a cabeça na esperança de a voltar a ver. Esqueceu-se que tinha combinado jogar berlindes com o seu novo amigo Tomás quando o sol se pusesse, esqueceu-se que a mãe embirra com ele quando não limpa os pés ao entrar em casa; ignorou a voz do amigo a chamà-lo do lado de fora do portão e ignorou os protestos vociferados da mãe. Entrou no quarto e percebeu o que lhe aconteceu... estava apaixonado!
A sua rotina alterou-se, agora o seu caminho era onde aquela lolita crescida ia, os seus gostos eram os mesmos dela; até conseguiu convencer o Tomás a beber 3 Laranjina C por dia, só para poder sentar-se numa mesa da esplanada da praia bem pertinho dela. Estava tão apaixonado!! Tudo nela era admirável, o cabelo escuro e leve que se agitava com a mais pequena brisa, a pele morena e um pouco estalada do sol, os lábios hidratados e sempre rasgados, os olhos grandes e sombreados por umas pestanas que se vincavam no contorno como arbustos, o peito generoso que espreitava pelo decote cavado da roupa de verão que ela insistia em usar justa. E ficava a vê-la passear pela praia, a gingar na ponta dos dedos as fitas das sandálias e a rir muito alto e com vontade, no ar passava pomposo o cheiro do mar que lambia a areia quente e ele sentia-se no lugar mais perfeito de todos os cantos do mundo. O seu dia era dela, e apesar de nunca lhe ter dado uma palavra e de ela nunca sequer ter olhado na direcção dele, a sua vida era completa e feliz.
Até que ele chegou... era ruivo e alto, cheio de si mesmo! O Carlos jurou que o caçava, que lhe batia tanto que os pulmões ficariam em água, jurou que o levaria até aos confins do inferno, jurou que lhe partia todos os ossos do corpo e que faria da pele dele o tapete para a porta de casa, mas jurou em silêncio, e a ameaça morreu ali com o som das palavras que nunca teve coragem de dizer. Viu a rainha da sua vida ser levada pela mão do atrevido banhista, viu-a pulverizar-se quando a tocava, viu-a render-se a tudo o que um menino de doze anos ainda não saberia fazer. De ombros caidos foi para casa, praguejou contra ela, praguejou com ele e contra o mundo que se tinha formado só para contraiar este destino que o Carlos tinha escolhido.
Entrou no quarto e percebeu o que lhe aconteceu... já não estava apaixonado!

2 comentários:

Anónimo disse...

a minha mara de sempre!!ADORO-TE.

Amadeu Mendes disse...

:) muito bom.