segunda-feira, outubro 29, 2012

Dois caminhos

Para ouvir: Jeff Buckley - Lover you should've come over
O António corria. O corpo já termia, a lingua doía em tensão, e o suor gelado colava-lhe o cabelo ao rosto. Ele sabia que nao podia parar...
Já corria sem rumo e sem coordenação há mais de duas horas. Estava exausto e perdido mas sabia que não podia parar...
Ele estava preso ao rumo das coisas que tinha escolhido para si, ele achava que seria melhor assim mas agora tinha levado o murro das coisas que não queria ver, e pensava: "e agora o que é que eu faço?" nada á sua volta lhe podia dar uma resposta e ele não podia parar...
O sangue pulsava nas veias, pressionado pelos batimentos e quase rebentava pelos poros, mas o António não podia parar...
Já era noite, só se ouvia o som dos galhos que estalavam esgamados debaixo dos pés, e a respiração descontrolada e rasgada do António. E ele pensava: "quem me dera poder voltar atrás, mudar os detalhes do que fiz, do que me fiz, do que nos fiz, só queria poder mudar os pequenos detalhes que me trouxeram aqui". Os pensamentos começavam a formar frases, mas mesmo assim ele não podia parar...
O António sabia que não podia passar mais um dia ser resolver o labirinto que criara na sua vida, sabia que assim que chegasse a casa tinha de tomar uma atitude, sabia que assim que o corpo cedesse, a razão iria obriga-lo a voltar ao seu mundo, por isso ele não podia parar...

A chuva que caía já há algumas horas começou a engrossar e a luz dos relâmpagos riscava o céu.
O António escorregou na terra ensopada e torceu um pé, ouviu um estalo mudo seguido de uma dor fina insuportável. Encostou-se contra uma arvore e sentiu os pulmões a contrair num aperto de garganta sufocante. Ficou parado, segurava o tornozelo com uma das mão e com a outra limpava o rosto e pensava: "não posso parar"

A lua já tinha corrido metade do céu, a chuva já tinha parado e o peso das decisões empurrava o António num passo torto e cansado. Mas ele não podia parar...

Por fim o corpo entrou em falência, os pés bateram um no outro e o António não conseguiu controlar o peso do corpo e ajoelhou-se no chão. Foi ai que soube que não podia correr mais. Tinha só o caminho para se perder dentro da floresta, ou o caminho para voltar para casa.

O António não devia ter parado de correr...




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